08 August 2010

O que seria do 100 se não houvesse 99?

Nemar e Marne me pediram para escrever sobre o centenário de nascimento do nosso pai, comemorado hoje, dia 8 de agosto de 2010. E também eu queria ter escrito para a mãe, no dia 26 passado. Como irmã menor, maninhapequeninha, assumi este compromisso e resgatei minha vontade filial julhina. Just thinking para escrever, chego à idéia de que quero falar de ambos, pois nunca consegui pensar numa sem o outro e vice-versa. Uma de minhas características nesta existencia: sempre gostei de conectar as coisas ou as pessoas para falar delas, entende-las, ou para trabalhar com elas.
Lulu e Negus é uma dupla que se formou, superando desafios e desigualdades, e permaneceu visível para os mortais durante 64 anos. Ele partiu primeiro e ela o seguiu um pouco mais tarde. Não gosto de datar as coisas, mas Nemar tem todas as datas bem exatas e poderá completar e conferir o que escrevo aqui. Hoje, ele me disse que a vó Corina faleceu há 31 anos. É verdade, foi num aniversário do pai que ela partiu. Minha homenagem de gratidão a todos os três, e mais à Dora, minha madrinha e amiga, criança e adulta, eu e ela vivemos várias fases, alegres e tristes, uma acompanhando a outra, chorando ou rindo juntas.
Voltando a conversar sobre a dupla Negus e Lulu. Nasceram com diferença de um ano, acho que ambos em Rio Pardo, (isso mesmo , Marne?) onde viveram a maior parte de suas vidas. Ela, menina faceira, educada em colegio de freiras na capital gaúcha, recem formada no magisterio, volta nomeada para a cidade natal e encontra-se, de pronto, apaixonada pelo gaúcho, rústico, verdadeiro peão de seu coração. Peão, não no sentido do jogo de xadrês. Peão que domava, destemido. Os temores dela eram muitos por sua historia de vida, sem mãe e criada por tias, mais velhas e mais moças, vida confusa, agitada, que a levou a pedir sua nomeação como professora para morar com o pai, em Rio Pardo. Mas sempre, minha mãe venceu todos seus temores graças a seu espírito evoluído. Ela sabia que nada é eterno, seja para o mal ou para o bem. E por essa forma de ver a vida, procuro me inspirar até hoje. De meu pai, herdei a vontade de entender o mundo da política e a retidão de carater. Ele optou por viver política mas não viver como os políticos. Uma coisa que sempre me orgulhei dele é que achava ser uma indecência o vereador receber remuneração por seu trabalho. Ele dizia que estava ali por amor à cidade, e assim vivia conforme falava. Este rigor de honestidade e de justiça, passou para os 3 filhos. Essa coerência de vida, seja qual for a consequencia, sempre procurei imitar. Procuro imitar também a alegria presente no íntimo de minha mãe. Nós, os três filhos, parece que não somos tão alegres quanto ela se sentia, pelo simples fato de viver e agradecer todo o dia, sua vida e a familia que construiu, a Deus. Mas até que sabemos viver sem reclamar de tudo, somente um pouco (nossa pracinha que não me desminta). Gosto de dar conselhos e ajudar as pessoas. Sou filha da Lulu e isso é outra coisa que quero continuar a fazer com seu exemplo. Meus filhos, netos e sobrinhos, e depois filhos e netos de vocês, queridos... Alguns de vocês sabem e outros ainda não: ela foi ótima numeróloga e através deste dom desenvolvido com muito estudo, ela ajudou muita gente, inclusive a nós. Havia pessoas que vinham de longe consultar a Vó Lulu (assim era conhecida) que sempre tinha uma palavra amiga de estímulo, puxava as orelhas quando era preciso, recomendava chás e a maioria absoluta das coisas acertava em suas previsões. Tenho guardado até hoje muitas cartas dela que dariam um belissimo livro (quem sabe ainda farei isso) onde ela demonstra toda sua grandeza em ajudar um e outro, sua delicadeza de alma, através de pensamentos muito profundos, antes e depois da despedida do seu parceiro e amado. Lulu era assim: companheira e amiga de todos. Ela e o pai eram parceiros e viveram um relacionamento próprio deles. Hoje eu acho que, se pensarmos na natureza, podemos ver, como cenas animadas, os diferentes relacionamentos que podemos ter nesta existencia: relâmpagos, chuvinha fina, ventania, chuvarada de verão e tsunami. O da mãe com o pai eram relâmpagos, iluminavam dias e noites, algumas vezes, anunciando calmaria e outras vinham junto com trovoadas, mas o principal é que cada um deles clareava sempre o outro, completando-se em suas diferenças e superando suas desigualdades. Ambos se respeitavam e construiram uma linda familia, segundo a conta dela, numa das cartas, já com 22 membros àquela ocasião (não fiz os cálculos e nem assinalei a data porque não desejo conferir). Não quero conferir mais nada que se refira a eles. Quero somente ama-los aqui, alí e acolá. Isso foi o que consegui escrever. Terei que enxugar agora meu computador para poder voltar à pracinha. bjos a todos os que amo, familia que conheço nesta existencia e os futuros familiares que não terei tempo de conhecer, mas que poderão ler este blog maravilhoso. Que boa ideia, maninha, tiveste ao criar este blog da familia e para a familia.

1 comment:

nemarcosta said...

O Centenário do Negus (8.8.2010) Just Thinking.

Seria possível escrever um livro se fosse falar sobre o caráter, personalidade, episódios dramáticos e cômicos vividos em seus 86 anos. Agora vou resumir a tarde da última sexta feira que passei com ele. Morreu, três dias depois, na segunda feira. Estávamos a mãe e eu juntos fazendo-lhe companhia lá no hospital de Rio Pardo. Perguntei ao médico se eu poderia ir a Porto Alegre passar o fim de semana. Respondeu que o estado dele ainda duraria algumas semanas.
Levanta-se com dificuldade, arrastando os pés, caminha da cama até uma mesinha junto a janela do quarto e lá senta-se na cadeirinha simples. O coração muito fraco não dá mais forças e muito menos o ânimo de caminhar firme, passos largos e rápidos, como sempre andou. Volta-se para nós e diz “ Eu queria viver até os 90 anos. Mas assim não dá. Não quero. Vou falar com o Antonio Augusto.” Esse o seu cardiologista particular. Disse de uma forma autoritária. Como se o médico fosse seguir as suas ordens: cura-lo ou mata-lo.
Logo as ordens são para mim: “Pega, lá na segunda gaveta da minha escrivaninha, o meu cortador de unhas. Quero cortar as unhas dos pés que estão muito grandes. “Este dinheiro”, tirando do bolso algumas notas de pouco valor, joga nos números dessa relação. Fui até lá em casa e voltei uma hora depois com os cupons do jogo da Loteria Federal e o cortador. Coloca os cupons no bolso e diz: “Se ganhar mando tudo isso à merda.” Referindo-se ao pouco dinheiro com que vivia, a doença, ao hospital...A tudo. Com o prêmio mudaria de vida – e de saúde – completamente.
Sentei numa escadinha que se usa para acesso à cama, para ficar em ponto mais baixo e comecei a cortar suas unhas. Trabalho que nos últimos anos era atribuição da Mãe mas ali ela não conseguiria executar sentada em sua cadeira de rodas.
No final da tarde aproximei-me da cama e apertamos nossas mãos. Os planos era de voltar na segunda feira. Voltei, mas já o encontrei morto.
O que mais me chamou atenção foi que os meus dedos e as minhas unhas eram iguais as deles. Até falei para a mãe quando ela me perguntou se eu estava tendo alguma dificuldade: Nenhuma. É como estivesse cortando as minhas próprias unhas.
Hoje ainda uso o mesmo cortador, que eu acho que foi um dos presentes que a Marne trazia dos Estados Unidos. Mais uma herança com que fiquei. Além das lembranças que ainda me trazem lágrimas. 100 anos.

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